Paternidade e Maternidade Socioafetiva: O Vínculo de Afeto como Fundamento Jurídico da Família no Brasil

Introdução: As Novas Configurações Familiares e o Direito

O conceito de família tem passado por profundas transformações na sociedade brasileira contemporânea. Se antes a filiação era quase exclusivamente associada aos laços biológicos, hoje o Direito de Família reconhece e valoriza outras formas de constituição de vínculos parentais, com destaque para a paternidade e maternidade socioafetiva. Este reconhecimento representa um avanço significativo, alinhado aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da afetividade e do melhor interesse da criança e do adolescente.
 
Compreender a filiação socioafetiva é fundamental não apenas para profissionais do direito, mas para todos que vivenciam ou testemunham relações familiares construídas sobre o amor, o cuidado e a convivência diária, independentemente da origem genética. Este artigo, preparado por nosso escritório de advocacia especializado em Direito de Família, visa esclarecer os principais aspectos legais, a evolução jurisprudencial e os procedimentos para o reconhecimento da paternidade e maternidade socioafetiva no Brasil, utilizando uma abordagem otimizada para SEO para que você encontre facilmente as informações que procura.
 

O Que Define a Paternidade e Maternidade Socioafetiva?

A paternidade ou maternidade socioafetiva é aquela que se estabelece não pela consanguinidade, mas pela construção de um laço afetivo sólido e duradouro entre pais e filhos. É a relação que se manifesta no dia a dia, no cuidado, na assistência material e moral, na apresentação pública como pai/mãe e filho(a), e no reconhecimento social dessa condição. Trata-se da posse do estado de filho, uma situação fática que gera efeitos jurídicos.
 
Esse conceito ganhou força com a chamada “desbiologização” da paternidade, termo cunhado pelo jurista João Baptista Villela em 1979. A ideia central é que a verdade biológica não deve se sobrepor à verdade socioafetiva, especialmente quando esta última reflete o melhor interesse da criança ou do adolescente. O afeto, a convivência e a vontade de ser pai ou mãe tornam-se, assim, elementos centrais na definição da filiação.
 
Os pilares jurídicos que sustentam a socioafetividade são robustos:
 
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III, CF): Garante o direito à identidade pessoal e familiar, que inclui o reconhecimento dos vínculos afetivos como parte essencial da dignidade.
 
Princípio da Afetividade: Embora não expresso textualmente na Constituição, é reconhecido pela doutrina e jurisprudência como um valor jurídico fundamental, decorrente da dignidade humana e da solidariedade familiar (Art. 226, CF).
 
Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente (Art. 227, CF): Determina que, em qualquer decisão relativa a menores, seus interesses devem prevalecer, o que frequentemente implica a manutenção dos laços socioafetivos já estabelecidos.
Como bem pontuou Luiz Edson Fachin, antes mesmo de sua atuação no Supremo Tribunal Federal, “a verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação psico-afetiva”.
 

A Evolução na Jurisprudência Brasileira: Reconhecimento e Prevalência do Afeto

A jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros tem sido fundamental na consolidação da paternidade e maternidade socioafetiva. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) possuem entendimentos pacificados sobre a relevância do vínculo afetivo, muitas vezes determinando sua prevalência sobre o vínculo biológico, sempre em observância ao melhor interesse do filho.
 
Um marco importante foi o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 898.060 pelo STF, com repercussão geral (Tema 622), que fixou a tese: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. Essa decisão abriu caminho para a multiparentalidade, ou seja, a possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai ou mais de uma mãe em seu registro civil, reconhecendo a complexidade das relações familiares contemporâneas.
 
Decisões do STJ também reforçam essa linha, como no julgamento que considerou juridicamente possível o reconhecimento de filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade, demonstrando a amplitude do conceito (Notícia STJ, 21/11/2024). Em casos de “adoção à brasileira” (registro de filho alheio como próprio), a jurisprudência tende a manter o registro se comprovado o vínculo socioafetivo, mesmo que posteriormente se descubra a ausência de laço biológico, pois entende-se que o ato de registrar, ciente da não paternidade biológica, estabelece um vínculo afetivo irrevogável (TJ-MA – AC: 121012005 MA).
 
Essa evolução demonstra que o Judiciário brasileiro está atento às realidades sociais, valorizando o afeto como elemento constitutivo da família e protegendo os laços construídos pelo cuidado e pela convivência.
 

Como Reconhecer a Paternidade ou Maternidade Socioafetiva?

Existem duas vias principais para formalizar o reconhecimento da filiação socioafetiva: a judicial e a extrajudicial.
 

Reconhecimento Judicial

O reconhecimento judicial ocorre por meio de uma ação declaratória de paternidade ou maternidade socioafetiva. É a via necessária quando há litígio, discordância entre as partes, ou quando a situação não se enquadra nos requisitos para o reconhecimento extrajudicial. O processo envolverá a produção de provas para demonstrar a existência do vínculo afetivo, como:
 
Tratamento: O pretenso pai/mãe trata o filho como tal.
 
Nome: O filho utiliza o nome de família do pai/mãe socioafetivo (embora não seja requisito indispensável).
 
Fama (Reputação): A sociedade reconhece a relação como de pai/mãe e filho(a).
Depoimentos de testemunhas, fotografias, vídeos, mensagens e documentos que comprovem a convivência e o cuidado são essenciais. O juiz analisará o conjunto probatório à luz do melhor interesse da criança ou adolescente.
 

Reconhecimento Extrajudicial (Em Cartório)

Uma grande inovação foi a possibilidade de reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva diretamente no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, regulamentada inicialmente pelo Provimento nº 63/2017 e posteriormente atualizada pelo Provimento nº 83/2019 e consolidada no Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça (Provimento nº 149/2023).
 
Este procedimento desburocratizado exige o cumprimento de alguns requisitos:
 
1. Idade: O pretenso pai ou mãe deve ser maior de 18 anos e pelo menos 16 anos mais velho que o filho a ser reconhecido.
 
2. Consentimento: Se o filho for maior de 12 anos, seu consentimento expresso é necessário.
 
3. Inexistência de Litígio: O reconhecimento deve ser voluntário e consensual.
 
4. Documentação: Apresentação de documentos que comprovem o vínculo afetivo (fotos, declarações escolares, planos de saúde, etc.).
 
5. Parecer do Ministério Público: O oficial do cartório colherá parecer do Ministério Público sobre a conveniência do reconhecimento.
 
É importante notar que o reconhecimento extrajudicial só é possível para incluir um pai ou uma mãe socioafetiva. Casos de multiparentalidade (inclusão de um segundo pai ou segunda mãe, mantendo os biológicos/registrais) geralmente ainda demandam a via judicial, embora haja discussões sobre a ampliação do procedimento extrajudicial.
 

Efeitos Jurídicos do Reconhecimento

O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, seja judicial ou extrajudicial, produz todos os efeitos jurídicos de uma filiação biológica ou adotiva. Isso inclui:
 
Direitos e Deveres Parentais: Guarda, convivência, poder familiar.
 
Direitos Alimentares: Obrigação de prestar alimentos.
 
Direitos Sucessórios: O filho socioafetivo concorre à herança em igualdade de condições com os demais filhos (biológicos ou adotivos).
 
Direitos Previdenciários: Possibilidade de recebimento de pensão por morte, por exemplo.
 
Alteração do Registro Civil: Inclusão do nome do pai/mãe socioafetivo e dos avós correspondentes na certidão de nascimento.
 
É fundamental destacar que o reconhecimento da socioafetividade é, em regra, irrevogável, assim como a filiação biológica. Uma vez estabelecido o vínculo, ele só pode ser desconstituído em situações excepcionais, como comprovado vício de consentimento (erro, dolo, coação) no ato do reconhecimento.
 

Multiparentalidade: A Coexistência de Vínculos

Como mencionado, o STF (Tema 622) admitiu a multiparentalidade, permitindo que os vínculos biológico e socioafetivo coexistam no registro civil. Isso significa que uma pessoa pode ter, por exemplo, o nome de seu pai biológico e de seu pai socioafetivo em sua certidão de nascimento, ambos com plenos direitos e deveres.
 
Essa possibilidade reflete a complexidade das relações familiares modernas e busca proteger integralmente o direito à identidade e à convivência familiar da criança ou adolescente, reconhecendo todos os vínculos que efetivamente moldam sua vida e personalidade.
 

Conclusão: O Afeto como Pilar do Direito de Família

A paternidade e maternidade socioafetiva representam um dos mais importantes avanços do Direito de Família brasileiro, colocando o afeto e o melhor interesse da criança no centro das relações parentais. O reconhecimento jurídico desses vínculos, seja pela via judicial ou extrajudicial, garante segurança e proteção às famílias formadas pelo amor e pela convivência.
 
Se você vivencia uma situação de filiação socioafetiva e deseja formalizar esse vínculo, ou se possui dúvidas sobre seus direitos e deveres, nosso escritório de advocacia está à disposição para oferecer orientação jurídica especializada e auxiliar em todo o processo. Compreender as nuances legais e jurisprudenciais é essencial para garantir que os laços de afeto recebam o devido reconhecimento e proteção legal.