
Abandono Afetivo: Entenda as Consequências Jurídicas e a Possibilidade de Indenização e Revisão da Pensão Alimentícia
Longe de ser uma mera questão de desafeto, o abandono afetivo configura-se pela omissão do dever de cuidado, presença e assistência moral por parte de um genitor em relação aos seus filhos, gerando consequências psicológicas e, também, jurídicas significativas. Este artigo visa desmistificar o conceito de abandono afetivo, explorar suas implicações legais, com foco na possibilidade de indenização por danos morais e na sua complexa relação com a pensão alimentícia, apresentando, inclusive, o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema.
O Que é Abandono Afetivo? A Fronteira Entre o Amor e o Cuidado
É fundamental distinguir o afeto, um sentimento subjetivo e não passível de imposição legal, do dever de cuidado, este sim uma obrigação jurídica inegável dos pais. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, é categórica ao estabelecer que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990), em seu artigo 4º, reitera o dever da família de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação desses direitos fundamentais. O abandono afetivo, portanto, não se configura pela ausência de amor, mas sim pela negligência do genitor(a) em cumprir seu dever de cuidado, que abrange a convivência, o amparo emocional, o suporte psicológico e a participação ativa na vida e desenvolvimento do filho.
Como bem destacado em material informativo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), embora não se possa obrigar um pai a amar um filho, a legislação assegura à criança o direito de ser cuidada. A omissão deliberada e reiterada quanto a esse dever, manifestada pelo desprezo, ausência de contato, falta de interesse pela vida do filho ou recusa em participar de momentos importantes, pode caracterizar o abandono afetivo. Nas palavras de um desembargador do TJDFT citadas na referida publicação, “Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil”.
Consequências Jurídicas do Abandono Afetivo: A Indenização por Danos Morais
A principal consequência jurídica reconhecida pelos tribunais brasileiros para o abandono afetivo é a possibilidade de condenação do genitor(a) omisso ao pagamento de indenização por danos morais em favor do filho. Essa responsabilização encontra amparo nos artigos 186 e 927 do Código Civil, que estabelecem a obrigação de reparar o dano causado por aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.
O Poder Judiciário tem entendido que a omissão no dever de cuidado parental configura um ato ilícito que viola direitos da personalidade do filho (como a dignidade, a honra, a imagem e a integridade psíquica), causando-lhe sofrimento, angústia e prejuízos ao seu desenvolvimento psicológico e emocional. Esses danos, embora de difícil mensuração, são passíveis de compensação financeira.
Uma decisão emblemática e recente da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), noticiada oficialmente pelo próprio tribunal em fevereiro de 2022, ilustra essa consolidação jurisprudencial. No caso analisado, o STJ determinou que um pai pagasse à filha uma indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00. O motivo foi o rompimento abrupto e injustificado da relação paterno-filial quando a menina tinha apenas seis anos, após a separação dos pais. Laudo pericial comprovou que, em decorrência direta do abandono paterno, a jovem sofreu graves consequências psicológicas, necessitando de tratamento e apresentando sintomas como tonturas, enjoos e crises de ansiedade.
A relatora do caso no STJ, Ministra Nancy Andrighi, ressaltou que não há restrição legal para aplicar as regras da responsabilidade civil nas relações familiares e que a parentalidade exercida de forma irresponsável, negligente ou nociva, gerando traumas comprovados, justifica a reparação. A ministra frisou que o dano psicológico no caso era concreto e diretamente ligado às ações e omissões do pai, que “ignorou uma conhecida máxima: existem as figuras do ex-marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-filho”. É importante notar que, por envolver menor de idade e questões familiares sensíveis, o número do processo em questão tramita sob segredo de justiça, não sendo divulgado publicamente, conforme informado na própria notícia do STJ.
Abandono Afetivo e a Pensão Alimentícia: É Possível Aumentar o Valor?
Uma dúvida frequente que surge em casos de abandono afetivo é se essa conduta pode levar a um aumento no valor da pensão alimentícia. A resposta a essa questão é complexa e exige nuances.
A pensão alimentícia, em sua essência, destina-se a suprir as necessidades básicas do alimentando (filho) para sua subsistência e desenvolvimento (moradia, alimentação, saúde, educação, vestuário, lazer, etc.), sendo fixada com base no binômio necessidade-possibilidade. Ou seja, avaliam-se as necessidades de quem recebe e as possibilidades financeiras de quem paga.
O abandono afetivo, por si só, não altera diretamente esse binômio clássico. A omissão de cuidado moral e afetivo não aumenta, em tese, a necessidade material presumida do filho, nem a capacidade financeira do pai. Por isso, a jurisprudência majoritária entende que a indenização por danos morais é a via adequada e autônoma para compensar o sofrimento causado pelo abandono, não devendo ser confundida ou misturada com a verba alimentar, que tem natureza e finalidade distintas.
No entanto, a questão não é totalmente isolada. A jurisprudência dos tribunais superiores, conforme apontado em artigos jurídicos especializados, como o publicado no portal Migalhas (“Implicações do abandono afetivo na pensão alimentícia”, Jan/2025), tem reconhecido que a negligência emocional e a omissão no dever de convivência podem ser consideradas em ações que discutem a obrigação alimentar. Embora não necessariamente resultando em um “aumento punitivo” da pensão, as consequências do abandono podem, indiretamente, impactar as necessidades do filho. Por exemplo, se o abandono gerar a necessidade comprovada de tratamentos psicológicos ou psiquiátricos contínuos e custosos, esse novo quadro de necessidades pode, sim, fundamentar um pedido de revisão do valor da pensão alimentícia para que ela possa cobrir também essas despesas essenciais ao bem-estar e saúde do filho.
Portanto, embora a compensação pelo dano moral do abandono seja buscada preferencialmente por meio de ação de indenização própria, as consequências materiais desse abandono (como custos com saúde mental) podem, eventualmente, justificar uma revisão da pensão alimentícia, desde que devidamente comprovadas como novas necessidades do alimentando.
Como Agir em Casos de Abandono Afetivo?
Identificar e comprovar o abandono afetivo pode ser um processo delicado. A primeira e mais importante medida é buscar orientação jurídica especializada com um advogado atuante em Direito de Família. Este profissional poderá analisar o caso concreto, verificar a presença dos requisitos para a caracterização do abandono e orientar sobre as melhores estratégias legais.
A reunião de provas é crucial. Documentos, mensagens, e-mails, testemunhas que comprovem a ausência de contato e cuidado, e, principalmente, laudos e relatórios psicológicos ou psiquiátricos que atestem o sofrimento e os danos causados ao filho pela omissão paterna/materna são fundamentais para o sucesso de uma eventual ação judicial.
É relevante também estar ciente dos prazos prescricionais. A pretensão de reparação civil, regra geral, prescreve em três anos, conforme o artigo 206, § 3º, V, do Código Civil. Contudo, em se tratando de ações envolvendo filhos menores, há regras específicas sobre o início da contagem desse prazo (geralmente a partir da maioridade civil), sendo indispensável a análise do caso por um advogado.
Conclusão
O abandono afetivo é uma realidade dolorosa que viola o dever fundamental de cuidado inerente à parentalidade responsável. O ordenamento jurídico brasileiro, atento à proteção integral da criança e do adolescente, tem reconhecido a gravidade dessa omissão e consolidado, especialmente através do STJ, a possibilidade de indenização por danos morais como forma de compensar os prejuízos emocionais e psicológicos sofridos pelos filhos.
Embora a relação entre abandono afetivo e pensão alimentícia seja complexa, e a via principal para a reparação seja a indenizatória, as consequências materiais do abandono podem, em situações específicas e comprovadas, influenciar a discussão sobre o valor dos alimentos.
Diante de uma situação de abandono afetivo, é essencial buscar amparo legal qualificado para compreender os direitos violados e as medidas cabíveis, visando não apenas a compensação financeira, mas principalmente a afirmação da dignidade e a proteção do desenvolvimento saudável do filho.
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